sábado, fevereiro 05, 2011

O outro lado do Mediterrâneo

Nos idos anos 90, mais precisamente em 1990, a revista Nação e Defesa reproduzia um artigo de José Manuel Nazareth em que o demógrafo já alertava para os tempos que se avizinhavam no Norte de África. A região, nessa altura, enchia-se de gente jovem, à custa de índices de fecundidade elevadíssimos, da ordem dos seis filhos por mulher, e o emprego e a qualidade de vida eram (e continuam a ser) comparativamente menores em relação ao Norte do Mediterrâneo. Estavam então reunidos os ingredientes para que daí a uns anos ocorresse a explosão social a que agora se assiste.


Volvidos 20 anos, e num momento de crise económica, quando a válvula de escape da emigração já não funciona, o Norte de África transforma-se numa panela de pressão social em explosão. Tunísia e Egipto já explodiram, mas para quando a Argélia, Marrocos e a Líbia? É preciso lembrar também que há muito, a margem oriental do Mediterrâneo fervilha de agitação, no Líbano, na faixa de Gaza (Palestina) afectando também o estado vizinho de Israel. Mas agita-se também a Jordânia e o Iémen, este na península Arábica.


Toda esta importante região projecta ondas de choque que alastram ao mundo. E é para esta região que se voltam os olhares do mundo.

***

Encontrado o artigo de José Manuel Nazareth, cá vai um excerto:

«A Europa ainda não tomou consciência da evolução demográfica contrastada que existe de um lado e de outro do Mediterrâneo. Existe um autêntico colapso demográfico no norte (a fecundidade da Europa dos doze é de 1,6 filhos por mulher) e uma expansão sem precedentes no lado sul (em média seis filhos por mulher).

Alguns números absolutos começam a ser preocupantes sob o ponto de vista europeu…a Europa dos doze tem anualmente 3,8 milhões de nascimentos para 321 milhões de habitantes, ou seja, o mesmo número de nascimentos da Turquia e do Egipto, que totalizam apenas 97 milhões de habitantes. Em 1950, a parte Norte do Mediterrâneo tinha um total de 140 milhões de habitantes, ou seja, metade dos habitantes da região que se estende de Marrocos ao Bósforo. Nos dias de hoje estas duas regiões têm o mesmo número de habitantes – cento e setenta milhões de habitantes de cada lado – mas já está escrito o que será o futuro, ou seja, o início do próximo século, quando nascem por ano cerca de dois milhões de crianças ao norte e mais de sete milhões no sul. Ficaremos amanhã com cento e setenta milhões de habitantes para fazer face a trezentos e sessenta milhões de habitantes “do outro lado do Mediterrâneo” aos quais se juntará a pressão dos restantes povos do continente africano, que será superior a um milhar de milhão de habitantes nos próximos trinta anos.

É neste enquadramento que teremos de situar a Europa, a CEE e o nosso país face à África do Norte. Esta última região, considerada no seu todo, tem por ano mais um milhão de nascimentos do que a Europa dos Doze, numa população que globalmente representa um terço. Dentro de algumas dezenas de anos a sua população ultrapassará a da Comunidade.

Evolução da População da Comunidade Económica Europeia e da África do Norte, de 1960 ao ano 2025 (em milhões)

Ano

CEE

África do Norte

1960

1975

1985

2000

2025

279,9

312,2

321,6

323,8

306,4

51,8

93,8

123,0

175,6

260,8

Fonte: Ramsés 87/88

Também são igualmente preocupantes os contrastes estruturais…que podem conduzir à tentação da complementaridade forçada: por um lado, temos um excedente enorme de idosos em relação às capacidades de financiamento dos sistemas de segurança social; por outro lado, temos, no Norte de África, um excedente de jovens em relação à capacidade de absorção do sistema produtivo.

(…)

Se, nos dias de hoje, a região de maior imigração é os Estados Unidos da América do Norte, amanhã essa região poderá ser a Europa. Não é uma novidade. Porém, a pressão demográfica será incomparavelmente superior devido à disparidade existente nos níveis de vida.»

José Manuel Nazareth, “A problemática demográfica portuguesa no contexto europeu”, Nação e Defesa, Agosto, 1990


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