sexta-feira, dezembro 23, 2011

Ficar ou partir?


Ninguém pode escolher a terra onde nasce e o povo a que pertence. Ninguém pode aceitar o passado do seu país a benefício de inventário, rejeitando os erros e apropriando os êxitos. Mas escolher ficar é um acto de amor.
Adriano Moreira, Da Utopia à Fronteira da Pobreza. INCM. 2011. Página 82

“Que fazer? Marginalizar-se ou cooperar? «Fugir ou aguentar?»
(…)
Mas importa ver os momentos de verdade nas expressões desta alternativa. A marginalização justifica-se, porque quem tem olhos para ver não quer implicar-se nos cinismos insuportáveis de uma sociedade que perde a distinção entre produzir e destruir. Cooperar justifica-se porque o indivíduo tem o direito de se orientar para a autopreservação a médio prazo. Fugir justifica-se, porque com isso se recusa uma coragem estúpida e só loucos se esgotam em batalhas perdidas se houver espaços de refúgio mais favoráveis à existência. Aguentar justifica-se porque a experiência nos diz que todo o conflito meramente evitado acaba por nos apanhar em qualquer ponto de fuga.”

Peter Sloterdijk, Crítica da Razão Cínica. Relógio D’Água. 2011. Página 168.

(Os negritos em ambas as citações são nossos.)

***

Adriano Moreira repete até à exaustão essa ideia de que ficar é um acto de amor. Di-lo expressamente nas páginas 46, 67, 82, 95 e 173 da obra supra citada. Neste país, que desaproveita os seus recursos físicos e, em particular, humanos, ficar é não só um acto de amor, como um acto de coragem. Mas partir, principalmente nas circunstâncias em que partiu a grande maioria dos emigrantes portugueses, nos anos 60 e no início dos anos 70 do século XX, e também naquelas em que hoje muitos partem, é um acto de coragem que está muito muito longe de ser um acto de desamor. Alguém põe em causa o amor que os cinco milhões dos nossos conterrâneos que vivem lá fora nutrem pelo país natal? Partir, faz parte da nossa condição, aliás, sempre fez (por isso a Saudade cresceu entre nós). “Para nascer, Portugal, para morrer, o mundo”, já dizia o Padre António Vieira.

Salazar, a dada altura, tentou estancar a hemorragia humana que abandonava o país porque precisava da gente que estava a escapar-lhe para a enviar para a Guerra Colonial ou para o Tarrafal. Hoje, estamos perante um Governo igualmente cínico, senão o mais cínico de todos (o cinismo parece ser o traço mais vincado deste Governo), que se aproveita desta nossa condição para oportunamente nos apontar a porta de saída. Só falta dizer-nos expressamente: quem está mal que se mude! E fá-lo-á, depois de nos ter esvaziado os bolsos e o futuro.

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