domingo, julho 29, 2012

Grandes aberturas: Crónica de uma Morte Anunciada



«No dia em que iam matá-lo, Santiago Nassar levantou-se às 5.30 da manhã para esperar o barco em que chegava o bispo. Tinha sonhado que atravessava uma mata de figueiras-bravas, onde caía uma chuva miúda e branda, e por uns instantes foi feliz no sono, mas ao acordar sentiu-se todo borrado de caca de pássaros. «Sonhava sempre com árvores», disse-me a mãe, Plácida Linero, recordando 27 anos depois os pormenores daquela segunda-feira ingrata. «Na semana anterior tinha sonhado que ia sozinho num avião de papel de estanho que voava sem tropeçar por entre as figueiras», disse-me. Tinha uma reputação bastante bem ganha de intérprete certeira de sonhos alheios, desde que lhos contassem em jejum, mas não descobrira qualquer augúrio aziago nesses dois sonhos do filho, nem nos restantes sonhos com árvores que ele lhe contara nas manhãs que precederam a sua morte.»

Gabriel Garcia Márquez, Crónica de uma Morte Anunciada, Publicações Dom Quixote, 1995.

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A minha passagem preferida:

«Até então não tinha chovido. Pelo contrário, a Lua estava no meio do céu, e o ar era diáfano, e no fundo do precipício via-se a regueira de fogos-fátuos no cemitério. Do outro lado divisavam-se as sementeiras de bananas azuis ao luar, os pantanais tristes e a linha fosforescente do Caribe no horizonte.»
Op. Cit., pág. 60

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