sábado, outubro 20, 2012

Os alemães estão a dar-nos dinheiro?!

Monte Gordo                                                                                                          © AMCD


Dia bom para quem gosta de ler jornais em esplanadas soalheiras. Abrimos o Expresso e começamos por ler as opiniões e a páginas tantas deparamos com a opinião do historiador Rui Ramos que refere a certa altura o seguinte:

Daí que só pareça haver uma esperança: que os alemães acabem por nos dar mais tempo e mais dinheiro. Vamos admitir que dão.” (Rui Ramos, “A democracia é o meu subsídio?” in Expresso, 20 de Outubro de 2012, pág. 33.”)

Cai um ponto de interrogação, logo seguido de um ponto de exclamação: dão?! Os alemães estão porventura a dar-nos dinheiro?! E vamos admitir, ainda por cima, a hipótese de que nos poderão dar mais?! Mas que bondosos são os alemães. Que altruístas! Muito obrigado!

Mas há alguém que nos esteja a dar dinheiro? Não leu Rui Ramos o que escreve Miguel Sousa Tavares (MST) na página 7 do dito jornal? Diz ele, ironizando:

Nós não: não queremos mais prazo, nem mais dinheiro, nem menos juros: estamos confortáveis a ver os alemães financiarem-se a 0% de juros para depois nos emprestarem a 5% - por isso é que a Alemanha não quer ouvir falar nas eurobonds ou em qualquer forma de mutualização da dívida. E estamos confortáveis a ver as nossas empresas, que quando conseguem, compram dinheiro a 10%...” (Miguel Sousa Tavares, “Rendição” in Expresso, 20 de Outubro de 2012, pág. 7.”) (os sublinhados são nossos).

Não leu Rui Ramos o cronista que escreve ao lado, o Daniel de Oliveira, que às tantas diz:

Sobra então a última rúbrica: os juros da dívida. Correspondem a 9% da despesa e a 4% do PIB.” (Daniel Oliveira, “A arte da fuga” in Expresso, 20 de Outubro de 2012, pág. 33.”)

É certo que Portugal tem pouco dinheiro (quase sempre foi assim, e quando o teve, as nossas elites rapidamente o desbarataram e escoaram para fora do país – o dinheiro da pimenta, do ouro do Brasil, da CEE, do crédito fiado pelo contribuinte, etc. – lembram-se?), mas, ninguém nos está a dar ou dará dinheiro (e incluo nisto o tempo, porque tempo é, também neste caso, dinheiro). Portugal está a comprar dinheiro e está por isso a pagar por ele. E o preço que está a pagar pelo dinheiro que compra é muito mais elevado do que o preço que os alemães pagam pelo mesmo dinheiro. Aliás, os alemães é que estão a receber dinheiro gratuitamente pois nada pagam por esse dinheiro (a taxa de juro, ou seja, o preço do dinheiro, no caso deles, como nos lembra MST, é 0%). A eles é que está a ser dado dinheiro. E já nem falamos de tempo. Tiveram décadas para pagar as indemnizações das guerras mundiais, e não sabemos se já as pagaram integralmente.

Ora é no facto de os portugueses pagarem um preço diferente e mais elevado do que os alemães, por cada euro que compram, que reside uma grande injustiça, inaceitável, que deve ser reparada. Os nossos governantes têm de partir imediatamente para a renegociação do preço da dívida, ou dito doutra forma, do preço do dinheiro que nos vendem.

Opinion makers como Rui Ramos e outros, que alimentam este discurso de que nos estão a dar tempo e dinheiro, ou que Portugal está a receber uma ajuda, acabam por espalhar uma ideia falsa entre o público. Exactamente a de que estamos a receber uma ajuda.

É que neste mundo neoliberal que o capitalismo acabou por criar, infelizmente acaba por ser mesmo verdade: não há almoços grátis.

Se não acreditam perguntem aos pais do criança do jardim de infância de Quarteira a quem foi negado o almoço na cantina, por falta de pagamento.

P.S. - Não há almoços grátis, excepto, parece, para os alemães. Porque será? Será que alguém lhes pagou o almoço? Adivinhe quem foi.

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