terça-feira, agosto 13, 2013

O triunfo da imoralidade

Thomas Couture, The Romans of the Decadence, 1847

«Durante décadas, os fundos de pensões dos seguros e da banca privada foram constituídos pela capitalização das contribuições das próprias empresas, entidade patronal, e dos seus funcionários, não onerando o Estado. O Estado não era responsável pelas pensões nem pela capitalização desses fundos.
(...)
Em 1980, durante o primeiro governo da AD, com Cavaco Silva, as pensões de reforma passam a ser atribuídas a beneficiários no fim do exercício de certas funções independentemente de estarem ou não em idade da reforma. Uma pessoa podia exercer o cargo de administrador do Banco de Portugal ou da CGD durante um ou meio mandato, e tinha direito à reforma por inteiro a partir do momento em que saía da instituição.
(...)
A partir de agora, as pensões da banca privada passaram, simplesmente, a ser responsabilidade pública. Tolerando-se, como se vê pelos exemplos, a acumulação de pensões de reforma públicas com funções executivas privadas e concorrentes.»

Clara Ferreira Alves, “Os Reformados da Caixa”, Expresso (Revista), 10 de Agosto de 2013

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Há muito que se anda a baixar as possibilidades, para agora se dizer que vivemos acima das nossas possibilidades.

E chegámos ao cúmulo de as primeiras figuras do Estado preferirem receber as pensões de reforma em vez dos respectivos salários. Ao que isto chegou…

Como foi possível tudo isto? Onde estavam os mecanismos de controlo democrático, as instituições vigilantes? Como pôde e pode a democracia tolerar isto?

Receber a reforma sem estar na idade da reforma. Dizem que é legal. É legal mas não é moralmente, nem eticamente admissível (também era legal, muito legal, denunciar judeus no tempo do nazismo, na Alemanha, ou enviá-los para campos de concentração, e era ilegal ajudá-los, que o diga Aristides de Sousa Mendes).

São as leis que servem os homens, não são os homens que servem as leis. Mas há homens que se servem das leis, quando as leis são demasiado imperfeitas, propositadamente assim elaboradas para que alguns habilidosos delas se possam servir.

E por favor, não nos venham dizer que o mundo é injusto e que é assim o mundo. Não podemos compactuar com as injustiças deste mundo, sob pena de nos tornamos uns canalhas.

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«O acanalhamento não é outra coisa senão a aceitação como estado habitual e constituído de uma irregularidade, de algo que enquanto se aceita continua parecendo indevido. Como não é possível converter em sã normalidade o que na sua essência é criminoso ou anormal, o indivíduo opta por adaptar-se ao indevido, fazendo-se totalmente homogéneo com o crime ou a irregularidade que arrasta.»

Ortega y Gasset, A Rebelião das Massas

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