domingo, outubro 05, 2014

Homens que odeiam as viagens

Odeio as viagens e os exploradores. E aqui estou eu disposto a relatar as minhas expedições. Mas quanto tempo para me decidir! Quinze anos passaram desde a data em que deixei o Brasil pela última vez e, durante todos esses anos, muitas vezes acalentei o projecto de começar este livro: a cada vez, era detido por uma espécie de vergonha e de repulsa, pois será mesmo necessário contar minuciosamente tantos pormenores insípidos, tantos acontecimentos insignificantes?  

Claude Lévi-Strauss, Tristes Trópicos, Edições 70, 1993,p. 11

A ideia de viajar nauseia-me.
Já vi tudo que nunca tinha visto.
Já vi tudo que ainda não vi.

O tédio do constantemente novo, o tédio de descobrir, sob a falsa diferença das coisas e das ideias, a perene identidade de tudo, a semelhança absoluta entre a mesquita, o templo e a igreja, a igualdade da cabana e do castelo, o mesmo corpo estrutural a ser rei vestido e selvagem nu, a eterna concordância da vida consigo mesma, a estagnação de tudo que vive só de mexer-se.

Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, Assírio & Alvim, 6ª ed. 2013, 130.

Que é viajar, e para que serve viajar? Qualquer poente é o poente; não é mister ir vê-lo a Constantinopla. A sensação de libertação, que nasce das viagens? Posso tê-la saindo de Lisboa até Benfica, e tê-la mais intensamente do que quem vá de Lisboa à China, porque se a libertação não está em mim, não está, para mim, em parte alguma. «Qualquer estrada», disse Carlyle, «até esta estrada para Entepfuhl, te leva até ao fim do mundo». Mas a estrada de Entepfuhl, se for seguida toda, e até ao fim, volta a Entepfuhl; de modo que o Entepfuhl, onde já estávamos, é aquele mesmo fim do mundo que íamos a buscar.

Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, Assírio & Alvim, 6ª ed. 2013, 140.

***

Claude Lévi-Strauss e Fernando Pessoa eram dois homens que odiavam as viagens. O primeiro sabia, ou pressentia, que ao fazer das culturas indígenas o objecto da sua dissecação análise, já estaria dessa forma a contaminá-las. O seu olhar inquisidor era também o do explorador científico. Claude Lévi-Strauss sabia muito bem o que se seguiria e para que servia essa actividade científica e exploradora a que se dedicava com minúcia. O Homem lança-se ao conhecimento do Mundo para melhor dominar o Mundo. Primeiro vem a exploração, depois a dominação.


Já para Fernando Pessoa, o universo interior era mais apelativo e encantador do que o universo exterior. Esse apelo soava mais alto, a ponto de ele desvalorizar completamente as deslocações no espaço físico. Para ele as grandes viagens eram as que realizava interiormente, quiçá, embalado pelos copos de aguardente. 

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