sábado, maio 28, 2016

O Triunfo da Morte


Bruegel, o Velho, O Triunfo da Morte, c. 1562, Museu do Prado

Duas obras, em particular, viriam a possuí-lo [a Elias Canetti], embora com efeitos contrários. O Triunfo da Morte, de Bruegel, parecia confirmar a mensagem de Gilgamesh. A energia da resistência à morte que pulsa nas numerosas figuras da composição invadiu a consciência de Canetti. Embora a morte triunfe, a luta representada dos que a combatem mantém uma dignidade eminente, e é ela que liga todos os homens uns aos outros.
George Steiner
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Fonte: George Steiner, in Robert Boyers (org.) George Steiner em The New Yorker, Gradiva, 2010, pág. 338.   


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E pensávamos nós que esta história dos zombies era uma invenção pós-moderna e hollywoodesca para entreter gente boçal. Pois bem, há nestas histórias de ecrã um cheiro a Idade Média. O pós-modernismo parece estar a redundar num neo-medievalismo.  

Na Guerra dos Tronos, por exemplo, para além dos vivos lutarem contra os vivos, também os mortos lutam contra os vivos, como no quadro de Bruegel. Face a tal adversidade, os vivos estão perdidos. É uma velha história medieval.

Nestas lutas, em particular nas da vida contra a morte, simbolizada pelos exércitos dos mortos, a vida parece condenada ao fracasso. Mas o grande triunfo da vida foi ter surgido em pleno território da morte, pois de acordo com a actual biologia evolutiva, a vida surgiu onde antes não tinha lugar, num universo em expansão, cheio de estrelas e planetas estéreis. A partir desse momento, do aparecimento da vida (que estranhamente parece ter caído de pára-quedas num território hostil), começou uma batalha, pelo menos neste planeta, que ainda não terminou.

Mas será a morte prévia à vida? Terá mesmo a vida caído no território da morte? Ou não será que ambas caíram em terra de ninguém e começaram logo aí lutando entre si?

Talvez só exista morte porque existe vida e vice versa. Afinal em Marte nada morre porque nada vive. Que se saiba. Talvez uma não possa existir sem a outra.

Poderemos falar em morte na ausência de vida? Não era Heraclito que dizia que a vida se alimenta de morte e a morte se alimenta de vida? Viver de morte, morrer de vida?

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Mas eis-nos mais uma vez, e sempre, presos a dualismos de raciocínio e pensamento: vida, morte... O raciocínio por dualismos é muito prático, mas a sua conformidade à realidade é questionável.

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